quinta-feira, 22 de julho de 2010

Pandora

"Mais uma bela noite, pensei, enquanto suspirava com o pergaminho na mão, trazido por um anjo mensageiro. Joguei-o para cima e, quando ele chegou à altura do meu peito, o mesmo soltou-se e revelou o seu conteúdo: cinco nomes – Dois demônios, um arcanjo, um anjo e um exorcista.

Meu recorde de quase duas horas sem problemas, nesse ano, fora perdido. Toquei na ponta do amarelado pergaminho, fazendo-o incendiar-se e suas cinzas voarem da ponte de Londres. Bem, sendo mais clara, eu estava entre as duas torres, ambas com 65 metros de altura, olhando as suas básculas. Minhas asas estavam fechadas e, possivelmente, reclamando do frio que fazia naquele lugar, no entanto, mesmo sem roupa, o meu corpo não parecia receber o gelar das minhas penas.

Memorizei cada nome. Lembrando logo em seguida que, entre os cincos felizardos da noite, eu tinha, para variar, um humano. Sendo assim, eu não sabia nada sobre ele. Mas, sobre os outros, eu os conhecia melhor que eles mesmos. Sorri. Iria visitar velhos conhecidos.

Tirando um deles. Mesmo sabendo muito ao seu respeito, afinal, eu sou um anjo que mantém o equilíbrio – sou obrigada a saber de cada anjo e demônio que anda sobre a terra – não tinha contato com este.

Bem, como eu não o conhecia, ele seria o primeiro.

Pulei da ponte com as asas fechadas, como se eu estivesse dando um mergulho no rio negro lá em baixo, colocando as minhas mãos ao lado do meu corpo. O vento frio tocava em mim. O ar gélido entrava em meu peito. Faltavam 10 segundos para o mergulho: um, dois, três, quatro.

No numero cinco, eu já estava inclinando o meu corpo e, logo em seguida - há poucos segundo de cair dentro do rio – deixei que minhas asas abrissem-se e me fizessem planar sobre a água.

Era uma ótima sensação, porém, para não demorar com o meu serviço, procurei bater as minhas grandes asas negras e subir aos céus.

Não demorou para que eu chegasse ao pequeno recinto do anjo – que logo perderia suas asas. Eu odiava aquela parte do meu trabalho.

Observar um anjo perdendo suas "penas" já era triste, imagine eu, que teria que arrancá-las dele.

Toquei em meu corpo, fazendo um pano aparecer, cobrindo meu sexo. Parecia com roupas das, já mortas, Gregas.

Não bati na porta, pois não escondi minha presença e o mesmo, com certeza, já estaria me esperando. Com um sopro, deixei que o objeto de madeira revelasse o seu dono, ou quase dono – ele estava na casa de um humano. Como previsto, ele estava sentado em uma poltrona olhando fixamente para mim e, bem ao lado, na escada, uma jovem – morena e de olhos verdes, alta, peso mediano e morrendo de medo – me olhava. Como tudo na vida tinha uma forma de começar, eu comecei seguindo o esquema divino e ordens superiores:

-você, anjo, é... – ele me interrompeu, levantando da poltrona e ficando de joelho na minha frente.

-eu conheço todo o processo, meu nome é Percival, por favor, acabe com essa tortura de uma vez por todas, Pandora. – sua voz estava calma e um tanto sarcástica, mas não uma voz que quisesse mangar de mim, muito pelo contrario, ele estava sendo sarcástico com ele mesmo.

Senti pena dele.

- desculpe-me, Anjo Percival, mas eu sigo ordens e tenho que seguir todo o processo. – comentei, tocando em seu ombro.

Ele concordou com a cabeça, a mulher parecia choraminga, mas eu não podia interferi nem em seu choro, por isso, não disse para que ela se acalmasse.

- Percival, você, como bem sabe, violou uma Lei totalmente imperdoável, está, sendo uma das primeiras do código de um anjo diz, claramente, que um ser divino não pode criar laços, isto é, se apaixonar – evitei a palavra “transar” ou qualquer outra coisa que eu sabia que ele tinha feito, eu não gostava de ser clara nessas coisas. Deitar-se com um humano chegava a ser nojento – não tenho nada contra eles. -, por um humano.

Ele, mais uma vez, balançou a cabeça e concordou.

-então, mais uma vez, está ciente que terei que arrancar suas asas e o condenar a viver como um humano, isto é, além de perder sua imortalidade, estará fadado a ter tudo que um humano normalmente tem?- perguntei e, como sempre, tentei ser mais clara possível.

- sim! – ele disse, virando-se de costas e, como mágica, suas asas abriram-se na sala.

Por mais lindas que fossem as asas, eu não demonstrei nenhuma tristeza no olhar pelo o que eu iria ter que fazer. Senti como se as minhas próprias asas- negras e mortais- estivessem sobre o fio da minha lamina. Por mais que eu o meu trabalho fosse manter a paz e o equilíbrio, a primeira vista, eu parecia um anjo que trazia coisas ruins.

Tirei o meu punhal da bainha – ele era a única coisa que estava autorizada a arrancar as asas de um anjo – ele virou-se de costas. Dei um passo à frente e comentei, na língua dos anjos: a primeira asa não vai doer, porém, a segunda vai ser muito desconfortável, pois quando perdemos a primeira, a segunda asa
se torna mortal.

Ele concordou e apertou o braço da poltrona, esmagando-a entre os dedos, fazendo com que a mulher fechasse os olhos.

Ergui o punhal e segurei, entre a asa e a costa do anjo, para que eu conseguisse enfiar a lamina de uma vez e tira-la mais rápido, porém, antes que minha mão descesse a mulher gritou. Eu parei e a olhei, dizendo, em língua humana:

- se o ama, mulher, reze por ele e peça para que ele não sinta dor, pois, tudo que está acontecendo com ele, agora, é pelo amor que ele sente por você.

Ela ficou calada, mas saiu do lugar que estava e ficou de joelhos, na frente dele, pegando em seu rosto e sussurrando: eu te amo.

Suspirei.

Levantei novamente a arma e a lancei contra o anjo. Fora algo rápido. Em segundos não existia nada, além de uma cicatriz. Nem uma gota de sangue fora derramada.

A parte fácil tinha passado.

Restava a asa, que naquele momento era mortal. Pronto, eu disse, e ele fez que sim, com a cabeça.

Concentrei minhas forças em minha mão e desci o objeto, mas, diferente de antes, ela travou no meio da asa dele – não traspassou direto, o que era aceitável, basicamente sempre, acontecia isso. Ele fez forças para não gritar, no entanto, seus olhos e suas lagrimas, primeiras lagrimas humanas, escorriam por entre seus olhos, assim como o sangue que jorrava de suas costas.

Não levantei o objeto, apenas o segurei com mais força e o desci.

Dessa vez, um grito desesperado fora explodido do peito do mais novo anjo caído. Seu corpo arqueou, mas, por fim...

A mulher o abraçou.

Eu recoloquei o punhal, já limpo, na cintura e, coloquei minha mão direita em seu ferimento, dizendo, novamente na língua dos anjos, que o homem não poderia mais compreender: “Como Cristo um dia sangrou, você, também filho de Deus e, um novo mortal, está sangrando, porém, está será a ultima vez que eu, anjo do equilíbrio, estarei me colocando entre você e a morte.” depois de dizer essas palavras que devem ser ditas, como um ritual, para todos os anjos caídos, pois o que eu acabei de fazer é dar a vida a ele, já que, quando eu arranquei aquela asa, eu também tirei uma espécie de coração do anjo. Sendo assim, eu dei outro coração a ele – dei a vida. Então, finalizei em latim, em uma língua que ele entendesse: Assim, nesse momento, você está sob o livre-alvedrio! (livre-arbítrio)
"

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